A Chama da Vendedora de Fósforos
Capítulo 4 | Smash Legends Novel

Novamente, era uma noite de neve.
A vendedora de fósforos caminhava mais uma vez, descalça, pela rua. Havia pessoas passando pela rua iluminada por lampiões a gás, mas, como sempre, ninguém lhe dedicava atenção.
- “Comprem fósforos.”
Ela não sabia quantas vezes já havia repetido aquela frase, mas ela sempre se perdia no vento frio do inverno. As figuras dos transeuntes pareciam indistintas. Eram pessoas sem nome, pedestres sem individualidade. Eram apenas figurantes, sem qualquer propósito além de seguir para algum lugar. Sem se importarem com a vendedora ou uns com os outros, essas figuras de rostos e roupas indistintas simplesmente seguiam seu caminho.
Era a noite do final do ano.
O frio da estrada coberta de neve entrava em seus pés descalços, e o corpo da moça era cercado por um palito de fósforo vestido com roupas finas de inverno e um avental. Uma e outra vez, e de novo. Era uma noite de neve. A última noite do ano. Era uma noite sem lugar ou hora, apenas uma noite. A vendedora de fósforos sentia como se aquela noite se repetisse eternamente. A única coisa que ela conseguia se lembrar era da paisagem e das memórias daquele dia. Apenas a lembrança de andar descalça pela rua na última noite do ano, tentando vender fósforos às pessoas.
- “Comprem fósforos.”
Ontem, anteontem, e em qualquer memória que ela pudesse alcançar, sempre era uma noite de neve no final do ano. Ela sabia que tinha um pai que a espancaria se não vendesse os fósforos e uma avó que a amava mais que tudo, mas por mais que tentasse, não conseguia se lembrar do rosto deles. Nas suas memórias, sempre nevava, mas a neve não se acumulava. A noite continuava, mas o sol nunca nascia para dar lugar ao dia, como se o tempo estivesse parado. O frio que cortava a pele persistia. O vento gélido parecia congelar a vendedora de fósforos, com suas roupas finas. O frio da estrada de pedra penetrava em seus pés congelados, que já estavam roxos. Por que o mundo era tão frio?
A vendedora de fósforos, com a mente entorpecida pelo frio, pensou naquilo. Não era só o clima que era frio. As pessoas que não a notavam. As pessoas que não a ajudavam. Todas elas eram frias, seus corações eram frios. Para combater o frio, a vendedora de fósforos tirou um dos seus palitos e o acendeu. Uma chama pequena e límpida surgiu. Ela aproximou as mãos lentamente daquele fósforo. A vendedora de fósforos sabia que a pequena chama não seria o suficiente para aquecê-la. Mas ela também sabia que, ao acender o fósforo, teria visões felizes. Por alguma razão, antes mesmo de acender o fósforo, ela já sabia o que aconteceria a seguir. O primeiro fósforo traria a visão de uma lareira quente, o segundo, uma refeição deliciosa, o terceiro, uma árvore de Natal luxuosa, e o quarto e último, a avó gentil. Depois disso, voltaria para a fria noite de inverno. Mesmo que nunca tivesse vivido essa experiência, ela já sabia, como se tivesse repetido aquilo incontáveis vezes. Mas, para a vendedora de fósforos, já não importava. Era como se ela esperasse por esse momento. A noite de inverno que congelava seu corpo e o desprezo das pessoas que congelava seu coração, ela podia esquecer tudo no momento em que acendia o fósforo. A vendedora de fósforos estava exausta.
A noite se repetia, as visões se repetiam, o frio se repetia. Será que ela realmente teve uma avó que a amava? Será que realmente existia um pai que a espancaria se ela voltasse sem vender os fósforos? Será que, assim como as visões do fósforo, todas as suas lembranças não passavam de ilusões? Naquela noite de inverno, onde tudo era indistinto, apenas uma coisa era certa para a vendedora de fósforos: o frio que ela sempre sentia. A noite de inverno era fria, as pessoas eram frias, o mundo era frio. Todo o mundo era feito apenas de frio. A chama do primeiro fósforo se apagou. A visão de uma lareira quente criada pela pequena chama límpida não conseguiu aquecer seu corpo por completo. Para ver a próxima visão, a vendedora de fósforos acendeu o segundo palito. A vendedora de fósforos não se importava mais. Ela só queria acender todos os fósforos e ver as belas visões o mais rápido possível, mesmo que no final, ela tivesse que repetir aquela noite novamente.
- “Moça.”
Foi então. Que algo que nunca havia acontecido antes aconteceu com a vendedora de fósforos. Ela nem percebeu que a estavam chamando. Ela nunca pensou que alguém compraria seus fósforos. Mas a voz soou suavemente novamente.
- “Pode me dar um fósforo, moça que vende fósforos?”
Só então a vendedora de fósforos percebeu que estavam se dirigindo a ela. Ela virou a cabeça na direção da voz. Era uma mulher jovem e bonita, usando um grande chapéu. Com os cabelos pretos como a noite esvoaçando no vento de inverno, a mulher deu um sorriso gentil. A vendedora de fósforos ainda não entendia o que estava acontecendo. Aquilo seria outra visão criada pela chama do fósforo? A vendedora de fósforos não conseguia distinguir o que era realidade e o que era ilusão. De qualquer forma, ela apenas tremia de frio. Vendo isso, a mulher tirou o casaco de pele que usava e o colocou sobre a vendedora. Pela primeira vez em um tempo incalculável, a vendedora de fósforos vestiu algo além de suas roupas velhas e o avental. Pela primeira vez, ela sentiu um pouco menos de frio sem a chama do fósforo. Pela primeira vez, ela sentiu calor sem a chama do fósforo. Mesmo exposta ao vento gelado, a mulher parecia não sentir o frio, como se ela própria fosse um gelo ainda mais frio que o vento. No entanto, com um sorriso gentil, a mulher se abaixou para ficar na mesma altura que a vendedora e disse:
- “Meu nome é Rainha Bruxa. Eu vim te salvar.”
- “Nome?”
A vendedora de fósforos piscou, sem entender o que aquilo significava. Ela não tinha um nome. Não sabia o nome do pai, da avó, nem das pessoas que passavam. Não sabia o nome do vilarejo onde vivia. O mundo dela era indistinto.
- “Ah, entendi.”
A Rainha Bruxa pareceu surpresa por um momento, mas logo assentiu, como se tivesse compreendido. Ela olhou para a mão da vendedora de fósforos. O palito havia queimado por completo e a chama tremeluzia perto dos dedos dela. Talvez pelo frio, ou por outro motivo, a vendedora de fósforos estava tão entorpecida que parecia não sentir o calor.
- “Flare.”
A Rainha Bruxa estendeu a mão e apagou o fósforo que ainda queimava na ponta dos dedos da vendedora.
- “Esse nome combina perfeitamente com você.”
- “Flare.”
Flare murmurou seu novo nome. Como o fósforo já havia se consumido, Flare acendeu outro com a mão queimada.
- “Você quer congelar até a morte de novo?”
Flare hesitou diante da pergunta da Rainha Bruxa. Até agora, Flare só esperava pelas visões que os fósforos traziam. Era a única forma de escapar do frio interminável, mesmo que o frio voltasse quando a chama se apagasse, mesmo que ela tivesse que repetir a noite novamente. Aquele curto momento era o único em que ela conseguia esquecer o frio. Mas agora, pela primeira vez, ela não sentia frio mesmo sem a chama do fósforo. Flare balançou a cabeça.
- “Entendi.”
A Rainha Bruxa sorriu com a resposta de Flare. Era um sorriso um tanto inquietante, mas para Flare, parecia apenas um sorriso radiante. A Rainha Bruxa se aproximou e sussurrou docemente ao ouvido dela
- “Que tal aquecer as outras pessoas? Com seus fósforos, é claro.”
Flare não entendeu a sugestão. Ela olhou para o fósforo que queimava em sua mão. Aquecer as outras pessoas? Ela olhou para a Rainha Bruxa novamente, que apenas sorria.
- “Ah.”
De repente, enquanto alternava o olhar entre o fósforo e a Rainha Bruxa, uma compreensão surgiu em Flare. Ela olhou para a Rainha Bruxa e sorriu radiante. Perto do prédio, um pouco longe de onde estavam, havia uma lixeira. Flare pegou o palito que estava queimando e acendeu a caixa de fósforos. A chama, agora maior que a de um único palito, aqueceu sua mão. Flare jogou a caixa de fósforos na lixeira. Momentos depois. Com um crepitar, chamas surgiram da lixeira. Um calor incomparável ao de um único fósforo ou de uma caixa inteira aqueceu Flare. Ela não sentia mais o vento do inverno. O calor a envolvia por completo. A Rainha Bruxa abraçou Flare, que sorria radiante para as chamas. A lixeira, como se quisesse espalhar o calor, incendiou o prédio. Cores tomaram conta da rua cinzenta. O vermelho, o amarelo e várias outras luzes coloridas preencheram a rua. A multidão que a ignorava se dispersou. Flare sabia para onde as pessoas que antes andavam sem rumo estavam indo: para os braços de seus entes queridos. O coração das pessoas que não se importavam com ela havia sido aquecido, e agora elas corriam para aqueles que amavam. A rua, que antes era fria, agora se aquecia com as chamas que devoravam o prédio. A neve que congelava o chão derreteu, e a rua, que parecia cinza pela mistura do branco da neve com o preto da noite, revelou suas cores.
- “É lindo.”
Flare disse, maravilhada, enquanto olhava para o fogo. A Rainha Bruxa sorriu satisfeita com as palavras dela. Juntas, elas observaram o prédio queimar e as chamas se espalharam para os edifícios vizinhos, tornando-se um incêndio ainda maior.
- “Flare, não quer vir comigo?”
Flare olhou para a Rainha Bruxa.
- “Eu estou procurando pessoas que queiram me ajudar a mudar o destino injusto.”
- “Destino…?”
- “Sim, destino.”
A Rainha Bruxa assentiu. Com uma voz doce como um sussurro, ela disse:
- “Flare, você nunca achou injusto? Enquanto algumas pessoas vivem em casas quentes e comem comidas deliciosas, você precisa se aquecer com um fósforo na rua fria à noite? Nunca achou que era demais ninguém te comprar um fósforo, por mais que você se esforçasse ou pedisse?”
Flare refletiu sobre as palavras da Rainha Bruxa. Ela se lembrava de ter sentido inveja, de ter visto as luzes quentes e brilhantes pelas janelas e o cheiro da janta enquanto tentava vender seus fósforos. Ela havia desejado ter tudo aquilo para si. Era por isso que as visões que o fósforo trazia existiam, ela pensava.
- “Seu destino foi criado para que alguém sentisse pena de você. Enquanto isso, outras pessoas foram criadas para viverem felizes e em casas quentes. Você não odeia essas pessoas que não te ajudam e não te compram um único fósforo, mesmo vivendo felizes?”
Flare refletiu novamente. Às vezes, ela os odiava. Ela sentia inveja do porquê eles podiam ter uma lareira quente e uma deliciosa janta, enquanto ela tremia de frio e fome nas ruas. Às vezes, ela sentia raiva por não a convidarem para entrar. Ela também odiava as pessoas que não compravam um único fósforo. Isso parecia algo de muito tempo atrás. Mas agora, Flare pensava diferente. Ela acreditava que eles também eram frios. Eles deviam ter seus corações congelados por esse mundo gelado. Até então, ela pensava que não havia nada que pudesse fazer, pois o mundo era frio. Um mundo frio em que as pessoas eram frias e não podiam superar o frio. Mas, enquanto ela olhava para as chamas que engoliam os prédios e tornavam o mundo brilhante e quente, ela pensou: E se o mundo for mesmo frio?
- “Talvez eu possa aquecê-lo com essas chamas.”
- “Talvez eu possa aquecer este mundo frio e o coração gélido das pessoas com essas chamas.”
Ao lado dela, a Rainha Bruxa sussurrava, mas Flare estava tão absorta em seus pensamentos que não a ouviu. Flare olhou para as chamas e para os fósforos que restavam em sua mão. Ela não sabia antes, mas tinha o poder de aquecer os outros. Flare tinha certeza de que as pessoas também poderiam ver as belas visões que ela via na chama do fósforo. As chamas derreteriam o coração congelado das pessoas.
- “Não vou te obrigar a nada, Flare. Você mesma deve escolher.”
A Rainha Bruxa disse, olhando para Flare.
- “Você quer continuar nesta história fria e congelar até a morte, ou quer vir comigo?”
- “Eu vou com você, Rainha Bruxa.”
Flair respondeu sem hesitar. Sentir calor pela primeira vez. Não ser mais a vendedora de fósforos, e sim Flare. Ter o poder de aquecer os outros. Tudo isso lhe foi dado pela Rainha Bruxa.
- “É mesmo? Que bom.”
A Rainha Bruxa sorriu satisfeita. Era um sorriso que quem a conhecesse não acreditaria que ela seria capaz de dar. tirou um espelho do bolso. Com um gesto de sua mão, o pequeno espelho se tornou gigante e emitiu um brilho resplandecente. Um brilho tão forte quanto o fogo.
- “Bem, então vamos, Flare. Precisamos de sua ajuda em muitas coisas.”
A Rainha Bruxa estendeu a mão, já meio dentro da luz. Flare a segurou.